30.9.14

As revistas negras_o maravilhoso mundo onde o barato não podia sair mais caro

De há uns anos a esta parte que acho que não existem publicações escritas destinadas a mim e é muito raro não me arrepender de comprar alguma.

Não sou target das femininas, as negras de que vou falar, muito menos das cor-de-rosa, vá de retro satanás, já fui das generalistas mas começaram a enfadar-me, entristecer-me e chatear-me ao mesmo tempo que me começou a destabilizar demasiado o mundo, já fui das "educativas" mas começaram a tornar-se demasiado especializadas, neste último caso a culpa reside em mim e não nelas.

Sempre fui do target das baratas é certo porque o dinheiro nunca me cresceu até hoje em nenhuma arvore, fora dessas não tenho meios para fazer avaliações mas é muito possível que muitas me pudessem cativar, talvés um dia, rezem por mim!

Quando folheio/leio (preciso de estar muito desesperada, tipo na sala de espera do médico dos dentes para arrancar um siso) uma revista cor-de-rosa fico enojada, quando leio uma coisa tipo correio da manhã fico enojada e angustiada, quando leio uma revista feminina fico triste.

Ontem veio-me parar por obra do acaso uma às mãos, e já nem me lembrava bem como era, mas o facto é que não mudou muito dado aquilo de que me lembro.

Página sim, página sim perfumes para fazerem de mim uma princesa, linda, magra, rica, cremes para uniformizarem a minha pele marcada pelo passar dos anos, esses malandros que deixam poros abertos, marcas execráveis, sinais obtusos.

Página sim, máscaras para "eclipsar todos os meus defeitos", fiquei a pensar se eclipsariam a minha tendência para a problematização entre outras piores.

Página sim, sapatos que me fazem voar mesmo com os pés em sangue, malas com certamente dentro muito dinheiro para gastar e claro muitos produtos belissímos para fazerem do meu cabelo uma estrela brilhante que me fará singrar em tudo na vida, quer esteja a lavar o chão, a limpar o sarro das unhas, a despejar o lixo peganhento ou a mudar a emaculáda fralda ao filho que heide ter.

Nas páginas não vi imensa coisa para comprar para além do que estava inteiramente ao meu dispor nas páginas sim, artigos sobre sexo, como se eu já não soubesse o que há para saber, como se de uma coisa natural fizesse sentido fazer uma coisa artificial, processada, cheia de conservantes pulvilhados de corantes para dar vivacidade ao que não podia ser mais vivo se deixado em paz.

Nas páginas não conversetas sobre o feminismo, sobre as mulheres como nós! Com empregada doméstica que lhes faz as refeições, com  filhos em colégios conceituados onde tem oportunidades únicas, o pão nosso de cada dia! Pessoas assim iguaizinhas a nós, mães, empresárias, mulheres! Morenas, que fazem lipoaspiração antes do verão para irem secas para as maldivas banharem-se em água mornas!

Nas páginas não passerelas, brancas, esqualidas, com fome, com sede, mas com tanto glamour...

Pagina não, maquilhagem, pós, corretores, blush, máscara, pirlimpimpins aos montes, merda ás colheres. Perca 7Kg, perca 10, perca 20, perca tudo, perca-se porque dá menos lucro se se encontrar.




Página não, um artigo de valor! Oh sim ainda á esperança!

Mas ah, página não e um artigo sobre uma banalidade e outra e mais uma que só duas é pouco.

Chegada ao fim olho para o meu cabelo, para as minhas mãos, para a minha cara, para a minha barriga, para o meu rabo, para o meu cotovelo, ai que doi!, para o meu dedo mindinho, para a ponta da minha lingua para o caralho da minha existência e penso, nasci no sitio errado ainda assim tenho mais sorte que biliões de pessoas que tiveram o infortunio de nunca se poderem preocupar com um ponto negro que têm na cara.

Atenção que estas revistas são essencias e fazem todo o sentido dada a realidade económica em que vivemos, em que eu vivo, realidade que me dá de comer mais porcaria do que era preciso, que agora não passo sem nutela para afogar a porcaria das mágoas por ter deixado passar mais umm dia, por isso se me estiver a ler, não tiver nadica de nada contra as revistas negras e estiver a pensar, mas esta cabra vem para aqui mandar postas de pescada por tudo e por nada, se está mal que se mude! Eu sou levada a concordar, tem toda a razão.

Entretanto pergunto-me, existe alguma hipotese de não ter de me mudar porque isto um dia vai ser de outra maneira? Não sei, gostava que houvesse luz ao fundo do túnel, mas às vezes acho que era preciso nascermos todos outra vez com a sabedoria inata de que nunca seremos a última daquelas bebidas pretas com gás do deserto.






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